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20 de Abril de 2024

Guarda compartilhada foi consolidada no STJ antes de virar lei

Publicado por Perfil Removido
há 7 anos

Guarda compartilhada foi consolidada no STJ antes de virar lei

Antes mesmo da edição da Lei 13.058/14, que consolidou a guarda compartilhada como regra para os filhos de pais divorciados, esse entendimento já era pacificado no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O tribunal julgou casos que acabaram por inspirar as alterações legislativas.

O conceito de guarda compartilhada no ordenamento jurídico nacional surgiu em 2008, com a Lei 11.698, e foi aperfeiçoado com a Lei 13.058. Uma das posições interpretativas adotadas pelo STJ e que posteriormente foram incorporadas na legislação é a ideia de que o convívio da criança com ambos os genitores é a regra e, na falta de acordo, mesmo havendo clima hostil entre os pais, deve ser determinada pelo juiz, salvo quando comprovada no processo a sua absoluta inviabilidade.

O entendimento do STJ busca priorizar o interesse da criança, partindo do pressuposto de que não é indispensável haver convívio amigável entre os pais separados para que se dê o compartilhamento da guarda.

De acordo com as decisões do tribunal, cabe ao juiz da causa estabelecer as regras e determinar as eventuais punições em caso de descumprimento do que houver sido acertado.

Em agosto de 2011, ao julgar o caso que se tornou paradigma no assunto, os ministros entenderam que a guarda compartilhada é essencial para assegurar à criança o direito de conviver com ambos os pais.

Medida drástica

Esse recurso se tornou referência para as decisões posteriores do tribunal, inclusive nos casos de indeferimento da guarda compartilhada. No julgamento, a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a imposição do regime compartilhado, quando a relação entre os pais é muito ruim e eles não chegam a um acordo, pode ser uma medida drástica, porém necessária para resguardar os direitos da criança.

No caso então apreciado, o pai era contrário à guarda compartilhada e buscou a guarda unilateral, pois desejava se mudar de cidade, e alegou ter melhores condições de criar a criança. Ao rejeitar o pedido, a ministra destacou que as justificativas apresentadas, em relação à dificuldade de entendimento do ex-casal, não eram óbice para a guarda compartilhada.

“Na verdade, exigir-se consenso para a guarda compartilhada dá foco distorcido à problemática, pois se centra na existência de litígio e se ignora a busca do melhor interesse do menor”, disse a relatora.

Construção jurisprudencial

Naquele julgamento de 2011, o STJ estabeleceu que a guarda compartilhada prevista no parágrafo 2º do artigo 1.584 do Código Civil (com a redação então dada pela Lei 11.698/08) deveria ser uma regra, e não mais uma mera possibilidade.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, “essa linha jurisprudencial vencia a ideia reinante de que os filhos, de regra, deveriam ficar com a mãe, restringindo-se a participação dos pais a circunstâncias episódicas que, na prática, acabavam por desidratar a legítima e necessária atuação do cônjuge que não detinha a custódia física – normalmente o pai –, fazendo deste um mero coadjuvante na criação dos filhos”.

Um julgamento da Terceira Turma em 2017, relatado pelo ministro Villas Bôas Cueva, reafirmou o entendimento de que a guarda compartilhada não se efetiva somente em duas situações: quando não houver interesse de um dos pais ou quando um deles não for capaz de exercer o poder familiar.

Em outro julgamento, de junho de 2014, também relatado pela ministra Nancy Andrighi, a magistrada explicou por que a guarda compartilhada deve ser vista como regra, e não apenas uma possibilidade dependente de convívio amistoso entre os pais: “A inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente porque contrária ao escopo do poder familiar, que existe para a proteção da prole.”

Ainda de acordo com esse julgamento, as situações que afastam a aplicação da guarda compartilhada devem ser reconhecidas pelo juízo competente após análise objetiva.

Motivos graves

Para impedir o compartilhamento da guarda, as brigas entre pais separados precisam ser suficientemente graves. Ao analisar o tema, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino afirmou que a simples menção a um estado de beligerância entre o casal separado não pode ser utilizada pelo juiz como fundamento para deferir a guarda unilateral em favor do pai ou da mãe.

“Os motivos aptos a justificar a supressão da guarda de um dos genitores devem ser graves o suficiente para comprometer o convívio saudável com os filhos, tais como ameaça de morte, agressão física, assédio sexual, uso de drogas etc.”, resumiu o ministro, em voto apresentado na Terceira Turma em março de 2016.

Antes dessa evolução jurisprudencial, era comum que a guarda compartilhada fosse indeferida devido a animosidades entre os pais. Para a ministra Nancy Andrighi, tais decisões muitas vezes acabavam por prejudicar apenas a criança.

Segundo voto apresentado pela ministra em junho de 2014, acolher tais argumentos sustentados por um dos pais seria premiar um comportamento “egoísta” de quem exige a guarda, negando à criança o direito de conviver com ambos os genitores.

Pouco tempo após esse julgamento, o Congresso Nacional deu nova redação aos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, com a Lei 13.058, trazendo à guarda compartilhada um sentido legal mais harmônico com a interpretação adotada pela jurisprudência.

Dupla residência

Outro ponto discutido pelos ministros é a questão da alternância de residências no caso da guarda compartilhada. Em julgamento de agosto de 2011, a ministra Nancy Andrighi destacou que o importante é garantir o convívio da criança com ambos os pais após a separação.

“É precisa a ideia de que a guarda compartilhada inclui não só a custódia legal, mas também a custódia física, tanto por não haver restrições no texto de lei quanto ao exercício do poder familiar na guarda compartilhada, quanto pela inviabilidade de se compartilhar apenas a custódia legal da criança”, resumiu a magistrada.

Naquele recurso, os ministros rejeitaram o argumento de que a rotina dividida entre dois lares seria prejudicial à criança e configuraria guarda alternada, o que não é reconhecido pela legislação brasileira.

Nancy Andrighi declarou que a inovação legislativa da guarda compartilhada visou quebrar a monoparentalidade na criação dos filhos, que gera, segundo a ministra, a figura do “pai de domingo”.

Efetiva expressão

A alternância de lares (que não se confunde com guarda alternada) é decorrência lógica deste processo, de acordo com o caso julgado em 2011. “A ausência de compartilhamento da custódia física esvazia o processo, dando à criança visão unilateral da vida, dos valores aplicáveis, das regras de conduta e todas as demais facetas do aprendizado social”, afirmou a ministra, para quem a alternância de lares é a efetiva expressão da guarda compartilhada.

Essa custódia física conjunta só se torna um problema quando os pais residem em cidades diferentes. Em processo julgado em junho de 2016, o ministro Villas Bôas Cueva analisou o caso de uma criança cujos pais moravam a 200 quilômetros de distância um do outro.

“Não é factível vislumbrar que as crianças, porventura, estudassem alternativamente em colégios distintos a cada semana. Tal impasse é insuperável na via judicial”, disse o ministro.

No conceito de guarda compartilhada, ambos os pais têm os mesmos direitos e os mesmos deveres com a criança, o que se aplica a decisões sobre escola, viagens, questões de saúde – enfim, qualquer decisão que possa afetar o filho exige, necessariamente, a participação dos dois.

As despesas devem ser divididas de forma equilibrada, de acordo com a capacidade de cada um dos pais. A pensão alimentícia ainda pode ser estipulada, caso exista diferença de renda que justifique o pagamento.

O assunto já foi destacado pela Secretaria de Jurisprudência do tribunal no Informativo de Jurisprudência, edições 595 (fevereiro de 2017), 481 (agosto de 2011) e 434 (maio de 2010).

Fonte: STJ

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2 Comentários

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Excelente o texto! Com ele, que se esvaziem as Varas de Família e se conciliem os casais, ajustando, em cada caso, a melhor forma de convívio com as crianças, levando-se justamente em consideração os horários de trabalho, as cidades/bairros onde eles moram, etc.

Mas quero acrescentar que a guarda compartilhada e convívio equilibrado apresenta uma sólida fundamentação científica e que tem impactos em saúde pública.

Os filhos de casais separados apresentam maior incidência de delinquência juvenil, abandono escolar e gravidez indesejada na adolescência em comparação aos filhos de casais casados.

Mas os filhos de casais separados que mantiveram convívio equilibrado com os pais, convívio este mensurado em no mínimo 35% dos pernoites com o pai apresentavam taxas de delinquência, etc, SIMILARES aos dos casais casados.

Ou seja, exceto em casos doentios - drogas, doenças psiquiátricas, estupro - o convívio da prole com os genitores deve ser feito de forma equilibrada após o divórcio, e aí entra a tutela do Judiciário.

Há inúmeros trabalhos de revisão acerca do assunto, mas listo três, para quem quer se aprofundar no assunto:

a) Child Adjustment in Joint-Custody Versus Sole-Custody - Arrangements: A Meta-Analytic Review. Journal of Family Psychology 2002; 16: 91-102.

b) Shared Residential Custody. American Journal of Family Law 2013; 27:123-137.

c) Should Researchers Conceptualize Differently the Dimensions of Parenting for Fathers and Mothers? Journal of Family Theory and Review 2014; 6: 390-405. continuar lendo

Bem elaborado! !!! continuar lendo